terça-feira, 21 de junho de 2011

A Dama da Matriz

Ela era linda. Eu acabara de sair do encontro das quintas feiras,sinuca e pouca bebida,contrariando a maioria dos amigos que gostavam e podiam beber mais. Era alta madrugada por volta das quatro e meia da manhã, a garoa variava de intensidade, ora estava forte, ora fraca, mas não menos fria. Não importava, estava a caminho de casa que ficava próxima, logo chegaria, o roupão a espera no banheiro, toalhas, a cama quente era só o que precisava.
A madrugada escura, a lua quase escondia-se, devia estar com frio, nos poucos momentos que se mostrava, clareava um pouco e num desses momentos ao atravessar a avenida da matriz eu a vi, fascinante, mesmo naquela situação, cabelos loiros molhados, o sapato quase quebrando, dava para perceber pelo andar que variava o passo, mesmo assim parecia uma modelo de passarela que, quando alguma coisa da errada e ela não perde o charme, pelo contrário, em meio a chuva,(A garoa aumentara) e o sapato traiçoeiro continuava elegante. Meus passos apressados me aproximaram dela, estava toda molhada e da maneira lenta, elegante,mas lenta que andava sob aquela chuva não sei até quando se manteria assim, fina.
A avenida da matriz é  longa, a minha casa era uma das poucas residencias daquela região da cidade, a maioria eram lojas de departamentos, escritórios, farmácias, padarias e uma igreja que empresta o nome a avenida, claro tudo fechado, àquela hora pensei, de onde vem essa moça, para onde vai a essa hora e com esse tempo, se estivesse indo para alguma residencia não seria por perto, conheço as pessoas que moram por aqui, poucas famílias e ela sem dúvida não pertencia a nenhuma delas, nunca a vi por aqui, seria fácil notar uma mulher como ela e difícil de esquecer, definitivamente ela não era daqui.
Cheguei em casa, ao ir em direção a porta quase esbarramos, permiti que passasse mas ao vê-la no estado em que estava e sentir aquele perfume não resisti.Como quem oferece uma bebida a alguém que lhe chama a atenção numa festa, esperando tudo menos um sim disse: Eu moro aqui, quer entrar para se enxugar? Ela ainda deu um passo, achei que não escutou, não iria repetir a proposta, foi um impulso, já começava a me arrepender de ter dito aquilo a uma desconhecida em plena madrugada, ela parou, se virou, passou os olhos por mim de um jeito que me atravessou, olhou para a rua, desconfiada, tentou ver a esquina que dava acesso a avenida, não olhou no sentido que seguia, provavelmente já fazia ideia do tanto que percorreria até encontrar um local para se amparar, um hotel, um ponto de ônibus ou uma praça de táxi e, enfim, ir para onde queria, mas, onde seria? De onde vinha ela?.
Veio em minha direção, sem dizer uma palavra, com um gesto contido se dirigiu a porta que eu já não via mais, com as chaves nas mãos tateava a fechadura sem encontrar, por fim tirei os olhos dela e consegui abrir a porta, entramos. Como se a conhecesse mostrei a direção do toalete, disse que ficasse a vontade e iria ver se tinha alguma roupa seca, ela seguiu para um lado e eu para o outro em direção ao quarto, olhando as roupas do armário nem uma peça feminina, nada, como gostaria que tivesse sei lá um vestido, poderia dizer que era de uma ex mulher ou uma ex namorada ou mesmo de uma irmã que esquecera aqui e ainda não veio buscar, seria conveniente, poderia fazê-la rir. Encontrei uma blusa que usava pouco, achava unissex demais, voltei ao banheiro para entregar-lhe a blusa a porta estava aberta, ela estava completamente nua, apenas a toalha nas mãos e olhando para o espelho. Ela era jovem, não deveria ter mais de vinte e poucos anos, suas curvas eram perfeitas, seus cabelos secos e penteados, maquiagem refeita, sua bolsa deveria ter de tudo e ela conseguiu, ficou ainda mais atraente, virou e olhou para mim, seus olhos claros combinavam com seu rosto e seus cabelos, aliás, ela combinava da cabeça aos pés, por um segundo pensei que sonhava.(Seria um sonho?) Sem cerimônia me aproximei com a blusa e com o gesto próprio de quem vai vestir uma pessoa, a blusa já aberto o zíper a ajudei e ela se vestiu.
Sobre o mármore da pia estava a bolsa e, estendidas ao lado, suas roupas, uma camisa branca, um blazer e uma saia grená.-Vamos secar suas roupas, falei pegando peça por peça e nos dirigimos para uma área de serviço onde estavam os varais e uma secadora de roupas, era desses equipamentos temperamentais, que só funcionam quando quer e pela primeira vez desejei que não funcionasse, mas, enfim, coloquei suas roupas na máquina  e fomos para o quarto. Da porta do quarto ela viu o notebook ao lado da cama sobre um criado mudo improvisado e perguntou se podia mandar uma mensagem. Tudo bem sente-se fique a vontade, falei, voltei ao armário e fui procurar um calção, faltava a parte de baixo da sua roupa, vi que o calção não estava no armário, estaria em outro ambiente e fui buscar, enquanto procurava comecei a imaginar. Cara de sorte, uma mulher linda, semi-nua na cama, cama quente,  noite fria, o que mais eu poderia querer.
Mas não podia ser assim,verdade que ela era linda e esta na minha cama, mas a única coisa que sabia dela é que era deslumbrante.(Precisava saber mais alguma coisa?) Precisava saber ao menos seu nome, de onde era, se era casada, e se fosse? Teria discutido com o marido ou o namorado e saiu assim, sem destino. Ou seria o caso de ser uma dessas mulheres que quando brigam com o marido ou namorado saem de casa e ficam com o primeiro cara que encontrar ? E se o marido ou o namorado a estiver procurando ? Vou investigar, quero saber tudo dela, ou, ao menos o suficiente para ficar um pouco mais tranquilo. Ao chegar na porta do quarto ela já havia dispensado o notebook e olhava para mim com ar de riso, voltaram os pensamentos, dessa vez sem a inquisição, só a parte da cama quente, mulher linda, semi-nua, fascinado, senti...frio,(Conveniente,a cama que até  a alguns minutos representava preguiça, um bom descanso e um sono merecido, agora já representava exatamente o contrário, despertava todos os sentidos) que frio ! Deixei o calção que iria lhe entregar cair sobre a cama e fui fechar a porta, pensei tê-la deixado aberta tal o frio que sentia, não era a porta, talvez fossem as janelas, não eram, só agora me dava conta que estava todo molhado, a pouca distância que percorri até a casa e os poucos minutos de monólogo a porta, foram o suficiente para a chuva me dar um banho, sentia frio, camisa, calça tudo molhado, lembrei do roupão atrás da porta do banheiro que ela nem se dera ao trabalho de fechar, teria visto? Aproveitei para tomar um banho e tirar das mãos o pó de giz que agora notara, os pensamentos voltaram, quem é essa mulher ? Esta na minha casa, na minha cama, usando minha blusa unissex e a única coisa que sei dela é que é deslumbrante, novamente, vou querer saber tudo dela, não quero ser surpreendido por um alguém traído batendo à porta, essas coisas podem acontecer é melhor prevenir que remediar. Banho tomado, já de roupão, fui para o quarto certo que dessa vez não se encantaria e faria todas as perguntas. Ela estava dormindo, havia pego o calção e dormia como quem estivesse sem dormir a um bom tempo. Me escorei na porta.

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